Projeto DJARYI: resgate de sementes tradicionais
O Projeto Djaryi foi iniciado no segundo semestre de 2020, ainda em um momento de muitas restrições por conta da pandemia do Coronavírus, nas Aldeias Nimuendajú, dos Nhandewas-Guarani (Terra Indígena Araribá, no meio-oeste paulista) e Vanuíre, dos Kaingangues (oeste paulista). O nome Djaryi foi escolhido por significar “a avó”, e quer com isso valorizar e homenagear os conhecimentos agrícolas tradicionais e o papel central das mulheres na agricultura indígena.
Trata-se de um projeto voltado para o resgate da agricultura tradicional, pelas sementes nativas antigas, como parte intrínseca da expressão cultural da população Indígena das duas etnias: Kaingang e Guarani Nhandewa. O apoio à agricultura tradicional, com o uso de sementes tradicionais, fortalece a autonomia das comunidades, reforça as práticas de sustentabilidade (são sementes que se podem multiplicar, e se plantam sem emprego de agrotóxicos), dispensa o emprego de maquinários à base de combustíveis fósseis e contribui, assim, também aos esforços de povos e governos preocupados com as mudanças climáticas.
O milho entre os povos indígenas do Oeste Paulista
Domesticado na América Central há mais de 8 mil anos, o milho foi rapidamente sendo transmitido, por contato cultural, de um povo indígena a outro. Os povos que adotaram o milho foram, ao longo de séculos, aclimatando-o a ecossistemas diferentes e desenvolvendo novas variedades. Sua disseminação é totalmente dependente da ação humana: “Dormência e disseminação natural de sementes são características de plantas não domesticadas. No caso do milho cultivado, as sementes não apresentam dormência e, devido à estrutura morfológica da espiga, não dispõem de um mecanismo de dispersão natural, sendo totalmente dependentes do homem para sua propagação, o que caracteriza uma planta com elevado grau de domesticação.” (Machado e Paterniani 1998:22)
Não se sabe há quantos séculos o milho terá sido incorporado, como alimento base, entre os povos de língua Guarani e entre os povos de língua Jê. Os Guaranis são um povo migrado da região amazônica (o berço do tronco Tupi é na região de Rondônia/Mato Grosso/Bolívia) para o Sul do Brasil há quase dois milênios. Os Kaingang, por sua vez, há mais de dois mil anos terão chegado ao Sul do Brasil, vindo da região de origem dos povos de língua Jê, situada no Nordeste brasileiro. O milho é mencionado nas narrativas míticas de ambas as etnias, sendo que para os Guaranis o milho branco é considerado uma das suas plantas sagradas. Já os Kaingangues possuem um mito sacrificial para explicar a origem da sua agricultura, sendo o milho o principal alimento. Entre os Kaingangues paulistas, quando dos primeiros contatos amistosos, em 1912, foram encontrados, como cultura tradicional e regular, pelo menos três variedades, com destaque para o milho preto (nguere thá), consumido especialmente na forma de alguns alimentos tradicionais: o penfu (farinha), o pentfurõ (mingau) e o kórem (caldo).
Os processos históricos que esses povos sofreram, particularmente no Estado de São Paulo, com a tomada praticamente completa de seus territórios tradicionais (hoje sobrevivem em reservas diminutas de terra), incluindo forte depopulação, pressões integracionistas, miscigenação nem sempre buscada por eles, mas imposta pelas condições de sobrevivência, tudo isso levou à perda de muitos elementos de seu patrimônio cultural, incluindo sementes tradicionais. No caso dos Kaingangues, o tradicional milho preto (hoje referido por eles, em português, como “milho bugre”) quase extinguiu-se. Nas comunidades guaranis, por sua vez, pouquíssimas ainda mantêm seus milhos nativos, sendo que os Nhandewas estão entre os que mais perderam.
O Projeto Djaryi foi construído em referência a esse cenário, que requer a reintrodução das sementes tradicionais de milho a partir de sementes obtidas junto a outras comunidades das mesmas etnias, do Rio Grande do Sul (Kaingang) e do Mato Grosso do Sul (Guarani Nhandewa). As ações do projeto, nos últimos dois anos, incluíram a obtenção de sementes tradicionais de milho branco, milho vermelho e milho amarelo, sementes de arroz, amendoim e batata-doce roxa.