Por: Juracilda Veiga
Conheci o CIMI em 1977, quando estive na 3ª Assembleia do CIMI Sul, em Curitiba. O CIMI valorizava muito o papel da imprensa para divulgar a questão indígena para todo o país. E por esse caminho me aproximei da questão indígena.
Em dezembro daquele ano, como jornalista estagiária do Jornal Estado do Paraná, entrevistei o Cacique Guarani de Rio das Cobras, Valdomiro Pires de Lima, que acompanhado pelo seu filho Alcindo e os genros José Alves e Onório Benitez vieram denunciar as invasões de suas terras e a interferência do Chefe de Posto na eleição que o destituiu de cacique à 4ª Delegacia da Funai em Curitiba. (Ver: Estado do Paraná, 16 e 17∕12∕77).
Essa denúncia e, os episódios que se seguiram foi o início do movimento indígena no Sul do Brasil, de expulsão dos invasores das terras indígenas e da recuperação e respeito aos territórios indígenas demarcados.
Em Janeiro de 1978, depois da queima da casa de um índio por um jagunço, os indígenas Guarani e Kaingang de Rio das Cobras investiram contra os invasores levando a FUNAI a intervir com a Polícia Militar, Polícia Federal e o exército e posteriormente retirar os invasores que ocupavam 94% da terra indígena de Rio das Cobras (conforme levantamento do INCRA em 1975).
Em 5 de Maio de 1978, inspirados em Rio das Cobras, os Kaingang de Nonoai expulsaram 5 mil agricultores da Terra Indígena de Nonoai, dando origem ao Acampamento da Encruzilhada Natalino, RS, e ao atual Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, e ao Acampamento Esteio, parque de Exposições em Porto Alegre, de onde muitos foram assentados em MT. A reação dos indígenas foi determinante para acabar com a prática dos políticos de incitar a ocupação das terras indígenas por trabalhadores sem-terra, para justificar a titulação das terras indígenas para esses agricultores, como aconteceu com a Terra Indígena Serrinha em 1962, recuperada para os indígenas após a Constituição de 1988.
Em Dezembro de 1978 me casei com Wilmar D’Angelis que trabalhava no CIMI Sul e a partir de Janeiro de 1979 até Junho de 1987 fui membro do CIMI Sul.
Desde que cheguei ao CIMI Sul, entrei no Projeto da Diocese de Chapecó∕CIMI-Sul, de Lavouras Comunitárias na T.I. Xapecó, aldeia Pinhalzinho, que durou de 1975 a 1980 anos.
Em 1981 o CIMI, sob a Coordenação do CIMI-Sul realizou o 1º Encontro de Avaliação dos Projetos Econômicos em Terras Indígenas. Aprendemos muito com o Projeto de Lavouras comunitárias em Pinhalzinho que visava acabar com a dependência dos indígenas do trabalho fora da aldeia e construir uma opção de autonomia de produção e consumo dentro das próprias terras. Os indígenas que participaram da experiência, se lembram do Projeto como uma época de abundância e de felicidade.
Trabalhávamos na aldeia durante o dia e à noite fazíamos a Secretaria do CIMI Sul. Durante o ano de 1979 publicamos cinco Boletins do Luta Indígena. E entregamos para os arquivos do CIMI a maior coleção de dados das terras indígenas do sul, em relatórios de primeira mão além de recortes dos jornais de nível nacional, estadual e local, e um acervo fotográfico além uma biblioteca especializada reunidas naquele período.
Nossa sede∕casa (porão da Casa Canônica em Xanxerê, SC) era também a casa de passagem para missionários, indígenas e agricultores em movimento.
Lá foram publicados os dois primeiros números de Cheiro de Terra, Jornal da CPT, criado pelo Pe. Levino Blanger.
Entre 1983 e 1987 trabalhamos no apoio aos Kaingang do Toldo Chimbangue, na recuperação de suas terras. Entre 1985 e 1986 atuei como professora, na alfabetização de adultos e, por curto período na criação da Escola do Toldo Chimbangue para crianças. Projeto que foi interrompido pela invasão da T.I. Chimbangue pela FUNAI, que levou para lá indígenas Kaingang acampados na periferia de Chapecó.
Apresentamos ao CIMI, para a futura Terra livre do Chimbangue, um projeto a ser coordenado pelo CIMI-Sul, baseado no tripé atividade produtiva, saúde diferenciada e escola diferenciada, aquela necessária à soberania dos povos indígenas. Infelizmente os acontecimentos violentos vividos por nós e pelos indígenas impediu que esse projeto fosse efetivado.
O desejo de aprofundar e refletir sobre minha vivência com os povos indígenas que me foi possível experimentar no trabalho do CIMI me levaram a estudar antropologia. A partir desse estudo pude reinserir os Kaingang e Xokleng nos estudos teóricos relacionados aos povos Jê, dos quais estavam alijados por falta de estudos realizados a partir da convivência no interior das comunidades. Por tudo isso, sou imensamente grata aos povos indígenas e ao CIMI.
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