Por Wilmar D’Angelis
O CIMI (Conselho Indigenista Missionário) completou 50 anos, neste ano de 2022, e nos primeiros dias de novembro está dedicando um Congresso a celebrar a data. Órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o CIMI foi criado em abril de 1972, na esteira de acontecimentos que marcaram mudanças decisivas na postura da Igreja Católica com relação aos povos indígenas.
Convocado pelo Papa João XXIII, o Concílio Vaticano II, iniciado em 1962, estabeleceu uma renovação da teologia missionária católica, rompendo com as práticas estritamente proselitistas das missões tradicionais. Na linha daquela renovação, um encontro da Pastoral Indigenista católica, realizado em São Paulo em 1968, definiu como primeira linha de ação de um missionário, que ele deve “como exigência fundamental, conhecer, respeitar e prestigiar a cultura de cada grupo indígena e procurar aculturar-se a ele”. E que sua ação deve visar, antes de mais nada, a “promoção humana”.
Em janeiro de 1971, em um simpósio internacional promovido pelo Programa para o Combate ao Racismo, do Conselho Mundial das Igrejas, um grupo de eminentes antropólogos – entre os quais, o brasileiro Darcy Ribeiro (cujo centenário de nascimento, comemora-se neste mês de outubro) – redigiu e divulgou a célebre Declaración de Barbados: por la Liberación del indígena, em que denunciavam, entre outros atores sociais, as missões religiosas como responsáveis pela situação dos povos indígenas, submetidos a uma relação de dominação colonial, iniciada no momento da conquista da América, e mantida até os dias atuais. Entre outras coisas, diz o documento:
“A obra evangelizadora das missões religiosas na América Latina corresponde à situação colonial imperante, de cujos valores está impregnada”. E adiante: “O conteúdo etnocêntrico da atividade evangelizadora é um componente da ideologia colonialista”.
Buscando rever suas práticas junto aos povos indígenas, de uma forma abrangente (abarcando as diferentes dioceses, prelazias e missões), a CNBB promoveu a criação do CIMI em 1972. Porém, o novo organismo nasceu engessado em uma hierarquia controlada por teólogos de gabinete, sem prática nem conhecimento da vida nas aldeias e da prática cotidiana nas missões. A situação se altera, em meados de 1973, por sugestão do Secretário Geral da CNBB, Dom Ivo Loscheiter, atendendo às queixas dos missionários indigenistas de base: criava-se o Secretariado Executivo do CIMI, que ficou a cargo dos jesuítas Egydio Schwade e Antonio Iasi.
Uma das iniciativas mais importantes tomadas, de imediato, pela nova estrutura do CIMI, foram as chamadas Assembleias de Chefes e Lideranças Indígenas, iniciadas em 1974, buscando reunir lideranças e autoridades indígenas de diferentes povos, das diferentes regiões do país, o que funda efetivamente o Movimento Indígena no Brasil. Ao mesmo tempo, a ação do CIMI junto aos diversos segmentos da Igreja Católica – acabando por influenciar também outras igrejas cristãs – e igualmente junto à imprensa, foi o que deu visibilidade, a partir da década de 1970, à existência dos povos indígenas no Brasil, em todas as regiões do país. Até então, por décadas os povos indígenas eram ignorados, seja pela imprensa, seja pelo sistema educacional (incluídas as universidades de modo geral).
Quanto à contribuição do CIMI ao movimento indígena, ela não se restringiu àquele pontapé inicial. Ao longo dos seus 50 anos de existência, e nas várias regiões, o CIMI tem sido referência de apoio e solidariedade às lutas locais das comunidades indígenas, e ao mesmo tempo, às mobilizações e lutas nacionais dos povos originários.
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