Por Ana Gianfrancesco, coordenadora de Meio Ambiente da KAMURI

Ver uma tragédia como a que aconteceu durante o carnaval no município de São Sebastião abre espaço para várias reflexões, a começar por como esse tipo de desastre poderia ser evitado.

Existe legislação ambiental aplicável para construção em áreas de mata atlântica que não necessariamente foram cumpridas. Como já muito bem dito pela imprensa sobre o caso,  a ocupação urbana dessas regiões foi feita para comportar casas de alto padrão, numa região privilegiada pelas belezas naturais. Quem ocupa essas hospedagens são pessoas majoritariamente das classes A e B, que demandam toda uma população prestadora de serviços à sua volta, fornecendo uma mão de obra barata.

Sabemos que essa mão de obra, comumente com baixa escolaridade, migrante de outros estados e com pouca oportunidade de empregos bem remunerados, vem ocupar, como em todo desenho de cidade turística no Brasil, as áreas mais periféricas, que também podemos dizer marginais e que, em sua grande maioria, se concentram nas encostas.

A pergunta que vou fazer agora chega a até doer, mas é necessária: quantas pessoas vivem em áreas de encostas e morros atualmente no Brasil?

Até quando vamos naturalizar que pessoas vivam anos em regiões previamente mapeadas pelos órgãos de monitoramento como áreas de risco?

Colocando a questão na esfera política, vemos um crescimento urbano desordenado, sem respeitar premissas básicas de uso e ocupação do solo. O Brasil passou longe de construir um planejamento urbano inteligente. E aí, considerando que existem construções em áreas de risco e que o país não terá estrutura para recolocar todas essas pessoas em novas moradias, qual a função dos órgãos públicos no que tange os planos de evacuação de áreas de risco?

O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) divulgou à imprensa que enviou um relatório dois dias antes da tragédia alertando sobre o risco de desabamento na região da Barra do Sahy, área mais afetada pelas chuvas. Tanto o governo do estado de São Paulo, quanto a prefeitura de São Sebastião foram alertados. Mas, nada foi feito e não havia um plano. Não havia aviso sonoro em forma de sirenes, não havia um treinamento, uma rota de fuga, uma orientação que fosse passada desde a escola, no mercadinho local, uma comunicação simples e assertiva que chegasse até a população em geral, um protocolo de como agir na hora da emergência. Era noite, muitos foram pegos em suas camas, não sabiam nem do risco nem para onde correr. Mesmo após alguns alertas enviados pela Defesa Civil por SMS aos números que eles tinham cadastrados, em nenhum momento foi dito: risco de deslizamento na área tal. Em nenhum momento os moradores da localidade mais vulnerável foram avisados. E não havia até então nenhum espaço, por exemplo, um ginásio, para onde a população pudesse ir se abrigar.

O resultado é triste. Restam os mortos, os desaparecidos, as famílias destruídas, uma folia de carnaval que virou um pesadelo.

Precisamos urgentemente criar um protocolo para nossas áreas de risco. E precisamos urgentemente parar de valorizar o turismo a qualquer custo, em detrimento das condições básicas de vida para aqueles que trabalham nele.

Foto: Brasil De Fato

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