Nesta palestra profundamente esperançosa, a musicista, estudiosa e historiadora cultural Diné, Lyla June esboça uma série de histórias de sucesso humano atemporais com foco em técnicas e estratégias dos Nativos Americanos de alimentação e administração de terras.
Lyla June Johnston é palestrante indígena, artista, estudiosa e organizadora comunitária de Diné (Navajo), Tsétsêhéstâhese (Cheyenne) e linhagens européias de Taos, Novo México
Esta palestra foi dada em um evento do TEDx utilizando o formato de conferência TED, mas organizada independentemente por uma comunidade local.
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Transcrição completa em português
Soluções de 3 mil anos de idade para problemas contemporâneos
(Fala em língua indígena)
Saudações, meus parentes e meu povo.
(Fala em língua indígena)
Meu nome é Lyla June.
(Fala em língua indígena)
Eu venho do clã matrilinear Tsétsêhéstâhese da nação Diné. Nós também somos erroneamente conhecidos como a “Nação Navajo”. Nós somos indígenas ao que agora é chamado de Novo México, Arizona, Colorado e Utah, mas nós o chamamos Diné Bikéyah, o território do povo.
(Fala em língua indígena)
Sou originalmente de Taos, Novo México.
(Fala em língua indígena)
Dessa forma, eu me apresento como uma mulher Diné.
Estou aqui hoje para compartilhar uma mensagem de esperança. Essa esperança vem daquilo com que me deparei em minha pesquisa de doutorado. Essa esperança vem daquilo que povos originários provaram ser possível. Por dezenas de milhares de anos, povos nativos dessa terra construíram lindos jardins ao seu redor. Ao contrário do mito do “índio primitivo”, nós não éramos observadores passivos da natureza, nem éramos bandos de nômades procurando bagas para comer ou um cervo para caçar. Não.
Em geral, éramos agentes ativos na modelação do território para produzir abundância prolífica. Nós expandimos e projetamos pradarias e florestas para o benefício de toda forma de vida. E em muitos lugares nós ainda fazemos isso. Nós nos tornamos o que o mundo chama de uma espécie pilar, ou uma espécie da qual ecossistemas inteiros dependem. E nossas culturas se tornaram culturas pilar, refinadas com o tempo. Agora, muito se pensou no ano passado sobre o efeito ambiental positivo da pandemia. Como mais pessoas ficaram em casa, os níveis de poluição baixaram, animais começaram a reaver seu habitat e o salto lógico que muitos observadores parecem fazer é que a Terra estaria melhor sem humanos. Eu recuso esse salto. A Terra pode estar melhor sem determinados sistemas que criamos, mas nós não somos esses sistemas. Não precisamos ser, pelo menos. E se eu dissesse a vocês que a Terra precisa de nós? E se eu dissesse a vocês que nós pertencemos a este lugar? E se eu dissesse a vocês que vi meu povo transformar desertos em jardins? E se essas mãos e mentes humanas pudessem ser um presente tão grande para a Terra que elas fariam brotar vida nova onde quer que pessoas e propósito se encontrassem?
Eu gostaria de compartilhar com vocês hoje quatro importantes técnicas indígenas de manejo da terra que identifiquei por meio da minha pesquisa de doutorado na esperança de que eles possam nos esclarecer e nos inspirar hoje.
A primeira é nos conectarmos e nos alinharmos com as forças da natureza. Por que tentar controlar a Terra se podemos trabalhar com ela? Em desertos no sudeste, por exemplo, agricultores nativos potencializaram a topografia pré-existente da terra. Eles posicionaram seus campos na base de bacias hidrográficas para captar cada gota das chuvas monçônicas e os nutrientes que fluem com elas, arrastados de solos montanhosos. Essa técnica de plantio aluvial não requer fertilizantes nem irrigação externos porque tudo isso vem com a chuva. Ao nos conectarmos com sistemas naturais pré-existentes, agricultores nativos têm conseguido cultivar as mesmas áreas de terra por séculos sem nunca exaurir o solo.
Outra técnica fascinante de manejo da terra é a expansão intencional do habitat. Por que colocar plantas e animais em viveiros e gaiolas se podemos simplesmente criar um lar para eles e eles vêm até você? Por exemplo, povos indígenas aumentaram intencionalmente pradarias para búfalos trazendo o fogo gentil para as Grandes Planícies. Por milênios, seguindo a lua da queima da relva de nossos calendários lunares, nós transformamos tecidos vegetais mortos em cinza com alta densidade de nutrientes, nutrindo o solo e liberando as sementes de gramíneas e ervas medicinais adaptadas ao fogo, como a equinácea. Ao longo do tempo esse fogo preveniu árvores e arbustos de tomarem as pradarias e nutriu o solo gerando solos superficiais com profundidade de quatro pés (1,2m). Muitas pessoas pensam que nós seguíamos os búfalos quando na verdade os búfalos seguiam nosso fogo. Dessa maneira, nós expandimos antropogenicamente o habitat dos búfalos ao sul até Louisiana e ao leste até Pensilvânia.
Uma terceira estratégia que quero mencionar é descentralizar humanos, criar sistemas que não sejam centrados em humanos. Por que acumular para nossa própria espécie se podemos viver para servir toda a vida ao nosso redor? Por exemplo, as nações Salish da costa da Colúmbia Britânica melhoram o habitat de peixes plantando florestas de algas nas quais os arenques põem suas ovas. Isso ajuda este pequeno peixe prateado a depositar ainda mais ovas, repercutindo em números ainda maiores e tanto as ovas quanto os arenques recém-eclodidos cascateiam cadeia alimentar acima, nutrindo muitas outras formas de vida, tais como ursos, salmões, orcas, águias, lobos, entre outras. Ironicamente, ao plantar essa rede de comida e alimentar toda a vida ao redor deles, as nações Salish da costa têm maior segurança alimentar para eles mesmos porque eles alimentam a mão que os alimenta.
A última estratégia que quero mencionar é planejar a perpetuação. Planejar a perpetuação. Por que plantar somente para o próximo trimestre fiscal se podemos planejar para gerações que não nasceram ainda? Por exemplo, pólen de árvores e cinzas caem em lagos por milênios. Eles vão até o fundo e gravam uma história ancestral no registro fóssil. Um registro sedimentar em Kentucky mostra como ancestrais Shawnee cuidavam de uma floresta de castanhas por mais de três mil anos ininterruptos. Um influxo repentino de carvão fossilizado durante esse mesmo período indica que eles faziam isso queimando rotineiramente o chão da floresta. Presumivelmente isso enriquece o solo, ajuda o solo a reter mais água e elimina a vegetação concorrente para aumentar os sistemas imunes das árvores que eles selecionaram. Aparentemente funcionou, porque durou milênios. E se nossos sistemas fossem planejados para durar para sempre?
Então essas são só quatro das muitas estratégias que povos originários e povos ao redor do mundo usaram: trabalhar com a natureza, expandir o habitat, descentralizar humanos e planejar a perpetuação. Esses são os tipos de sistemas de manejo de comida e terra que os europeus encontraram conforme se espalharam em direção a oeste. Eles frequentemente os rotularam erroneamente de “terra nullius” ou “terra virgem” ou “território selvagem” em vez do que eles realmente eram: legados vivos sendo feitos há milhares de anos.
Vocês podem dizer “Ah, isso é muito legal, Lyla, mas jamais poderia escalar. Isso jamais poderia alimentar a massiva população global da atualidade”. E a isso eu respondo que, ao contrário do que se acredita popularmente, esses continentes eram na verdade densamente ocupados por povos indígenas, conforme mais e mais estudos estão comprovando, e ainda assim seus sistemas alimentícios os sustentavam. Eu me aventuraria a dizer que esses sistemas alimentícios são ainda mais eficientes que os sistemas alimentícios industriais porque eles protegem e aumentam exatamente o que nos dá vida ao invés de extrair e destruir. Às vezes eu imagino como seria o mundo se nós aplicássemos essas estratégias até hoje. Se nós protegêssemos a vida e expandíssemos a vida.
Eu garanto que se o fizéssemos nós não mais veríamos a humanidade como uma maldição para a Terra ou algo sem o que ela estaria melhor. Nós veríamos os humanos como uma peça crítica no quebra-cabeças ecológico. Eu amaria ver o mundo adotar essas estratégias e ao mesmo tempo eu sei que não é suficiente simplesmente imitar práticas originárias. Nós também temos que trabalhar para devolver parte dessas terras para seus cuidadores originais porque, além de curarmos o solo,
(Ri. Aplausos.)
Ah, obrigada! Eu gosto dessa plateia.
Porque além de curarmos o solo nós temos também que curar a nossa história enquanto nação. E nós podemos fazer isso juntos. Tantos desses continentes foram conquistados e roubados de um povo que nunca quis lutar para começo de conversa. Incontáveis pessoas indígenas foram removidas de suas terras natais, suas crianças foram postas em internatos, onde nossas línguas e culturas foram proibidas e destruídas. Esse legado não vai ser curado simplesmente pela apropriação e imitação do conhecimento originário. Nós também devemos trabalhar para restituir pelo menos parte desses lugares roubados para os povos nativos, que frequentemente vivem como refugiados hoje, ansiando por retornar a seus sagrados territórios natais. Se todos nos unirmos em coragem, em perdão, em reparações e generosidade, conhecimento poderia ser trocado e terras poderiam ser devolvidas. Há uma palavra na minha língua, “hózhó”.
Vocês podem dizer isso, “hózhó”?
Plateia: Hózhó.
Ah, isso soa bem. Outra vez: hózhó.
Plateia: Hózhó.
Ah, gostei disso.
Hózhó é a alegria de ser parte da beleza de toda a criação. Quando entendemos que a humanidade é uma expressão da beleza da terra, entendemos que nós também fazemos parte dela. Hózhó reconhece que nós temos um papel ecológico. Hózhó reconhece que nossa Mãe Terra precisa de nós. Quando nos tornamos seus amigos, seus confidentes, seus aliados, seus parceiros na vida ao invés de seus dominadores, seus “superiores” ou seus especuladores, podemos transformar sistemas mortos em vivos. E isso não envolve isolar parques nacionais e nunca tocar em uma folha de relva. Não, envolve arregaçarmos as mangas e vivermos dentro de seus processos, nos tornarmos parte do sistema da terra como nascemos para ser. E usarmos essas mentes para proteger e aumentar a vida em uma escala regional holística. Se nossos ancestrais ao redor do mundo provaram que isso é possível, então nos dá esperança de que nós podemos fazer isso de novo.
Obrigada por ouvirem.
- Conheça Lyla June: https://www.lylajune.com/
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